terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Clubes de Troca - trecho de cartilha do Cefuria

O que são Clubes de Troca? Como surgiram?

Um Clube de Troca nasce quando um grupo de pessoas decide se encontrar, juntar as necessidades de produzir e consumir, formar autogestão. Ou seja, pessoas que têm algo para “oferecer” e ao mesmo tempo, precisam receber. Os participantes trocam valores, saberes, objetos e serviços entre si, usando a moeda social como meio de facilitar as troca.

É uma busca coletiva pela sobrevivência, ocupando espaço para construção da cidadania, questionando o sistema que oprime, criando relações não capitalistas, semeando um novo modelo de sociedade.

Os Clubes de Troca tiveram origem simultaneamente no Canadá e na Argentina. O primeiro Clube de Troca no Brasil foi inaugurado em l998, na periferia de São Paulo. Logo a experiência se espalhou para outros Estados.

No Paraná, o primeiro Clube de Troca surgiu em 2001, no bairro do Sítio Cercado. Recebeu o nome de “Pinhão”, mesmo nome da moeda social, que é utilizada em vários outros Clubes de Troca em Curitiba e outras cidades do Paraná.

Em 2002, surgiu o primeiro Clube de Troca realizado nos espaços nos quais há a disponibilidade de alimentos provindos de doações. Rapidamente, esta experiência foi difundida para várias Paróquias e organizações. Nestes casos, o alimento é partilhado no grupo de trocas, e passa a ser administrado pelos próprios participantes do grupo.

O que é moeda social?

Moeda social é o instrumento criado exclusivamente para facilitar as trocas. Só tem validade nos Clubes de Troca.

Cria-se a oportunidade de questionar o “dinheiro” que, para o sistema capitalista, é a medida de todas as coisas. A moeda social rompe com isso, porque é um simples meio de facilitar as trocas. Nos clubes de troca, quem está no “centro” é o ser humano.

A moeda social é recebida como empréstimo: quando a pessoa entra no grupo de troca, “se associa”, tendo como compromisso levar para as trocas no mínimo 05 itens (produtos), sendo pelo menos um feito pelas próprias mãos. O ato de produzir algo com as próprias mãos favorece e incentiva a criatividade, a auto-estima, a valorização do trabalho.

O que acontece nos Clubes de Troca?

A dinâmica dos Clubes de Troca acontece em cinco ou seis etapas, conforme haja disponibilidade ou não de alimentos provenientes de doação:

1. Acolhida

As reuniões sempre se iniciam com uma acolhida, animada pelas pessoas do próprio grupo, que se dividem em equipes rotativas. Pode se dar sob a forma de boas vindas, palmas, apertos de mão, música, oração. É comum a prática do “minuto de silêncio”, que possibilita orações individuais, em respeito à pluralidade de crenças.

2. Mística

Momento de formação com dinâmicas, problematização e muita escuta. As pessoas vão descobrindo que são importantes na construção do novo, sentem-se sujeitos. A mística – prática difundida nos movimentos sociais – anima e favorece a reflexão diante do quadro social desolador, onde reina o fatalismo. Com a mística, fica mais fácil aflorar a solidariedade, a reflexão e o cultivo da esperança.

3. Apresentação

Os “prossumidores” (produtor e consumidor), apresentam-se a si e os produtos, saberes e serviços que cada um levou para o encontro. O trabalhador mostra o produto de seu trabalho, numa contraposição ao modo de produção capitalista, que relega ao trabalhador um papel secundário. É importante que todos se tratem como seres humanos, pelo nome. O modo de produção capitalista insiste em dispor as pessoas em fila, e as trata por números. Na Economia Solidária não pode ser assim.

4. Trocas solidárias

O que se troca nos Clubes de Troca? Nestes espaços se troca muito mais do que roupas, alimentos, artesanato, serviços. Há também a troca de amor, carinho, olhares, abraços, idéias, experiências, informações, alegria, aconchego, escuta, vida. Isto mostra que a dimensão do imaterial, do afetivo, é marcante nesses espaços, convivendo com o material e, muitas vezes, sobrepondo- se a este.

5. Encaminhamentos

Findo o momento das trocas, é hora de dividir as tarefas para o próximo encontro e fazer uma avaliação. O que precisa melhorar? O que foi bom? O que se quer para o próximo encontro? Em geral, esta etapa ocorre em forma de assembléia, devido às questões apresentadas pelo grupo e à necessidade da tomada de decisões. É o momento de debate, críticas, posicionamento, votação, deliberação. Um espaço privilegiado para o exercício democrático.

Paul SINGER diz o seguinte:
 “Assumir o poder de participar das decisões e portanto de estar informado a respeito do que acontece e que opções existem é um passo importante para a redenção humana do trabalhador."

6. Partilha

O último momento é o da partilha do alimento doado pela comunidade, usando a moeda social. Este alimento deve ser administrado pelos próprios prossumidores, não deve ficar exclusivamente sob os cuidados de animadores, voluntários da Ação Social e outras lideranças comunitárias.

O alimento é adquirido por cada participante, segundo a necessidade e quantidade disponível no momento. Deixa de ser uma forma humilhante de receber o alimento na “fila”. O alimento não é empacotado e “escondido” por alguém e depois oferecido, mas compartilhado na presença de todos.

Como se constrói a autogestão e solidariedade nos Clubes de Troca?

É importante a participação de todos, e não existe um padrão pré-estabelecido. Cada grupo vai construindo seu jeito de ser e se de corrigir, conforme vai caminhando. As decisões são sempre coletivas. As práticas desenvolvidas são inspiradas na pedagogia proposta por Paulo FREIRE. Procura-se desenvolver conjuntamente a ação dialógica, na perspectiva de desenvolver o ato de “ler” e transformar a realidade.

Todo o grupo deve ter suas próprias normas, construídas coletivamente, de forma simétrica, após debate. Há grupos que possuem estatuto e regimento interno. É comum produzir faixas ou banners dispostos em locais visíveis, contendo as regras, para que todos possam delas se lembrar e os novos integrantes e visitantes as conheçam. Repetimos: o que o grupo decide deve virar lei. Isso não impede, portanto, que as regras sejam revistas eventualmente, tão logo se tornem ultrapassadas diante das novas situações que se apresentam.

As equipes rotativas de trabalho também se tornam necessárias para que se efetive a autogestão. Os coordenadores ou animadores que administram a moeda social e o alimento, que atuam na animação das reuniões e executam outras atividades necessárias, devem ser eleitos democraticamente. O mandato não deve ser longo, para que todos tenham a oportunidade de passar por esta função.

Se o modelo capitalista exclui, cria indivíduos isolados, egoístas e preocupados com o lucro, os Clubes de Troca atuam de forma contrária: animam, reúnem, criam laços de solidariedade, consciência de grupo, valorização do ser humano.

Primeiramente, se parte da primeira necessidade básica: lutar por comida. Só então é possível lutar contra o sistema que exclui. Mas isto não basta! É preciso ir plantando sementes de uma nova sociedade.

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